O Pino da Vila

Imaginem uma vila, de casas grandes e antigas, só que na vertical, onde vão subindo-se escadas e tem um pátio com umas 3 casas em media cada um. Eu moro numa vila assim. Pra minha sorte, no andar mais alto da vila. Sacam a Vila do Chaves né? Todos já viram Chaves! Lá é igualzinho em relação a comportamento humano. Dei sorte de ter muitas crianças da minha idade na minha infância na vila. Era muita, mas muita criança! Raciocinem, se tem muita criança, tem muita brincadeira, se tem muita brincadeira, tem muita risada, se tem muita risada, tem muito barulho e pra fechar o ciclo, se tem muita criança, dá merda. É fato! Dá merda! Sempre dá merda!

Havia no primeiro andar da vila, um casal. A mulher Brasileira, o homem Italiano. Por coincidência, eu juro que não era implicância, o melhor lugar pra se jogar futebol era no pátio do Pino, o Italiano. Só que o Pino era um saco... reclamava, xingava, zunia as bolas pra longe quando a gente esquecia de guardar. Quanto mais o Pino atrapalhava, mais a molecada zoava. Agora imaginem vocês, aquele menino quieto, carinhoso, na dele, que respeitava os idosos e calava a boca quando o mais velho falava. Imaginaram? Não, esse não era eu. Eu era o capeta.

Uma vez o Pino tentou proibir a gente de jogar. Aí eu sugeri pra molecada não jogar em frente a casa dele, afinal a casa era dele mas o pátio não!

-Vai se fuder Italiano filho da puta! Num tamo jogando na frente da sua casa! Tamo só no pátio ó!

E tome bolada na parede, tome risada e palavrão! Aí o Pino saiu e colocou uns vasos de planta em frente a casa dele, só pra gente não jogar no pátio todo na ausência dele! Viado daquele Italiano. Reuni e molecada, catamos bosta do Pelé, o cachorro preto que andava na vila, ( aliás, redundância falar que o Pelé era preto né? ) e eu taquei dicunforça um monte de bosta na parte de dentro da maçaneta do Pino. Ficamos sentados ali esperando e tals...
Foi um tal do Pino xingar todo mundo com a mão cheia de cocô que a gente perdeu a força pra correr de tanto rir.

Às vezes nem precisava o Pino fazer nada pra gente implicar. Na final da Copa do mundo de 1994, quando o Baggio perdeu o pênalti, eu pulava igual gazela na frente da casa do Pino, que estava quietinho:

-Brasil, Brasil! Tetracampeão! Baggio viado! Italiano é tudo viado!

Gritava e saia correndo!

Teve o ápice da parada. Ta uma vez o Pino puto, andando pra lá e pra cá, mas puto dentro das calças e com a careca toooda arranhada. Dizia ele que foi no sábado de manhã. Acordou e quando arriou na frente da porta de casa pra pegar o Jornal Globo, tacaram um gato na cabeça dele. O Pino disse que ia matar o moleque que fez isso se descobrisse. Anda daqui, anda dali... todo mundo negou. Os moleques todos em fileira.

-Fala molecada! Fala!

Aquela coisa de criança assustada, um olhando pro outro, e eu pensei: Vou tirar o meu da reta.
O Fabinho ria de tudo. Se tu apontasse um cachorro e falasse que o cachorro era verde, o Fabinho ria. Pensei em apontar pro Fábio na esperança que ele começasse a rir e “se condenasse”.

-Sr Pino, eu acho que foi o Fábio, porque o Fábio nem foi jogar futebol de manhã.

Fabinho ficou sério e olhou pra minha cara:

-Tá maluco? Você acha que eu ia jogar o MEU gato na careca do Pino?

Ele deu uma ênfase tão grande em demonstrar que o gato dele era melhor que a cabeça do Italiano e não riu. Me fudi, esqueci que o gato era do Fabinho.

Aponta, acusa, especula e ninguém falou nada. Todo mundo jurou. O gato deve ter caído, sei lá... Que gato descuidado da porra. O Pino finalmente acreditou que devia ter sido um acidente, afinal, éramos crianças, mas não éramos malucos!

Cara, o mais foda é que toda vez que o gato me via, ele dava uma carreira que ninguém conseguia pegar! O porquê eu não sei... Vai saber as lembranças que insistem aparecer na mente felina?

Essa semana eu soube que o Italiano havia morrido. Algum tempo depois que ele se mudou de lá da casa. Foi quando eu já nem mais jogava futebol. Não sei porque ele não falava mais comigo. Deve ser porque passei cocô na maçaneta, quebrei o vidro da janela dele com uma bolada, chamei ele de viado e mandei a Itália tomar no cu quando perdeu pro Brasil, ou o lance do gato... Não sei, deve ser. Mas eu era criança! E ele me pertubava... Tadinho, Pino sofreu na minha mão, mas eu gostava dele. Confesso que com ele, foi enterrado um pedacinho bem gostoso da minha infância.

Mas o gato... não sei porque corria de mim...

0 Milhões de pessoas comentarm:

Postar um comentário