Mais do Nego.

Eu esperava que fosse só um conto, que a única que se atrevesse a perguntar fosse a Chila, que me conhece pessoalmente e tem esse apelido como abreviação de Chinchila, pois nunca vi bicho mais hiperativo e curioso. Só a Chila perguntar é normal, ela pergunta tudo, mas a maioria perguntou.

Queria dar idéia de uma crônica, mas acho que exagerei em despertar curiosidade mais que o necessário. Tenho que falar mais do Nego então. Pra ser justo com vocês, e com ele.

O Nego era calmo, bem passivo. Não arrumava encrenca e andava com os chinelos arrastando no chão. Não pensem que Nego se arrumava. Arrumava não... Nego Francisco andava largado. Bermuda jeans desfiada, havaianas (acho até que foi o Nego que lançou a moda) e blusa pólo. Lembro que o Nego tinha uma que não tirava: Azul escuro e rosa. Era listrada! Só o Nego pra usar uma coisa daquelas. Acho que o Nego devia ter 1,78 de altura, pernas arcadas, olhar firme apesar da paz, mãos grandes e grossas, cabelo baixinho. O cabelo era sempre baixinho. Deixa ver se me lembro mais...

Ah, Nego Francisco usava bigode. Um bigode de respeito! Apesar de todo o carisma, o Nego era discreto, acreditem se quiser, ou tentava ser. Uma vez descobriram que o Nego tinha mais 2 filhos fora do casamento! Não sei se era verdade, mas andava tanta mulher atrás do Nego... Nego Francisco nunca foi escrachado. Acho até que era mineiro entende? Comia quieto... Mas quem prestasse a atenção, via o mulheril cantando o Nego. E era só mulherão, do tamanho de Nego Francisco. Pra quem está tentando imaginar, o Nego não tinha um físico daqueles de atleta não. Era sarado, do tipo magro, sem barriga, mas sem músculos além do normal. O carnaval era a época preferida dele: Aquela Avenida Presidente Vargas ficava pequena. Nego adorava comer churrasquinho no espeto e salsichão nos dias de folia. Pra fixar mais ainda na cabeça de vocês, o Nego Francisco olhava tudo, tudo que era mulher que passasse na rua! Acho que era no que o Nego era mais ligado, porque em outras coisas, confesso que o Nego era meio avoado.

Uma vez rolou um assalto lá na rua, e teve até corre corre. Era de manhã de domingo, o povo dormindo e pro azar do ladrão, o Nego tava chegando. Não lembro se era da farra ou do trabalho, na verdade tanto faz, porque o Nego era da noite. O bendito do indivíduo se escondeu numa casa com os moradores dentro. Pânico pra lá, pânico pra cá. O Nego invadiu a casa! Parecia a torcida do Flamengo gritando em gol de final de Brasileiro. Ah, como bom sujeito que era, Nego Francisco era Flamenguista. Acho que os gritos inspiraram o Nego, porque nem querer saber de arma ele quis. Só vimos ele sair com o sujeito agarrando pelo nuca, igual cachorro. Depois de muito bafafá, o Nego descobriu que o cara não tava armado e não ia roubar. O cara tava fugindo de alguém que não era a polícia. Boa pessoa que o Nego era... Deu uns sopapos no cara, mandou ele não voltar lá, mas falou pra ele correr pra se salvar, sem nem saber o que era.

Os fins de domingo do Nego eram na pracinha em frente a rua, aquela que tinha um trailler que vendia cachaça. O Nego sempre andava de pileque! Nego sentava a mesa e demorava a voltar pra casa, mas não porque queria... é que ninguém ganhava o Nego Francisco no jogo de damas. E sem perder, o Nego não ia embora. A molecada se amarrava em rir quando o jogo tava ganho, e o Nego olhava pro seu adversário e vacilava por querer. Dizia ele: -Tô te dando uma colher de chá parceiro.

Foi nessa mesma praça a última vez que vi o Nego. Nosso último diálogo. A última palavra que Nego me disse foi: Parceiro.

Estava indo pro Colégio e o Nego tava sentado. Sentei do lado e perguntei se estava tudo bem. Nego Francisco não respondeu. Ficou ali parado, imóvel olhando todo o bairro, olhando a rua, de frente, que ficava silenciosa na segunda. Olhando os bares que ele tanto andou. Eu acho que Nego Francisco olhava mas não via. Sabe aquele olhar distante? Em transe? Nego continuou calado olhando até que eu quebrasse o silêncio.

-Nego, vou estudar.
-Vai com Deus Parceiro.

O dia que eu encontrar com o Nego novamente, eu conto a ele que sua história agradou tanta gente. Com certeza vou ouvir aquela sua gargalhada estrondosa de novo. Mas isso só um dia... Não agora.

Dizer que tudo isso é um conto, seria matar o Nego novamente.

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